Minha rua
Minha rua tem nome de herói de
guerra, um herói que não conhecemos, fora ser o nome da rua que moro há 31
anos, não tem significado nenhum seu nome. Sebastião Francisco de Oliveira,
nome que falei tantas vezes em fichas e documentos. A única referência a ele
que tenho, era uma placa azul no começo da rua, que dizia, “Herói da Guerra de
1932”, se isto é real não sei, mesmo sendo de formação historiador, nunca
encontrei seu nome em arquivo nenhum.
Mas saber que ele era herói de
guerra povoou minha mente infantil por anos, pensava: como ele era? Como teria
sido a guerra? Será que ele era oficial? O colégio principal de meu bairro
chamava-se Cel. Mario Rangel, fazia ligações infantis que todos os nomes das
ruas próximas fossem de soldados sobre a ordem deste coronel, com o tempo
descobri que não, (mas à história do colégio fica para outro texto). Entretanto
aqueles heróis eram tudo para mim. Eles participavam das minhas aventuras, eu
era um soldado, o Francisco (o da rua) era outro, e guerreávamos contra um
monte de inimigos.
Depois descobri que a tal guerra era
a Revolução Constitucionalista, de 1932, este fato aumentou meu desejo
separatista. Ficava imaginando, “se São Paulo fosse um país, nossa cidade seria
um estado e o Capão Redondo seria uma cidade, então poderia ser o prefeito dela”,
isto aguçou minhas pretensões políticas por anos.
O mais gostoso da minha rua era que, nós nos
conhecíamos. Havia duas quadras, na primeira morava um tio meu (Tio Joel), um
dos primeiros moradores, na segunda quadra
estava minha casa. Na esquina, com a Rua João Joaquim Bonh, tinha o bar do
português, onde eu comprava pão pela manhã. Lembro-me que tinha uns quatro para
cinco anos quando fui buscar pão sozinho pela primeira vez. Meu pai ficou
conversando em frente da casa com os vizinhos e eu fui buscar cinco pães, eu
era grande agora, havia feito à passagem.
Ao lado do bar ficava a maior casa
da rua a do Seu Julio e da Dona Olivia, eles tinham uma filha, mas ela nunca
brincava na rua. Do lado oposto morava, Dona Dioclecia e seu marido, do lado dela
Dona Antônia, eles eram os dois casais mais idosos de nossa rua, em frente a
casa deles não podia gritar.
Ao lado da Dona Olivia, morava o
Roberto, meu grande amigo, com seus pais, Dona Ângela e Seu Humberto, eles
tinham um Opala marrom, o carro mais bacana da rua, era lindo vê-lo sendo
lavado fim de semana. Na casa acima o Fabio, filho da Dona Renata, em seguida a
casa do Seu Nelson, o artista da rua, os filhos dele foram e são meus amigos
até hoje. O mais velho era o Fi (assim que chamávamos), depois o Alexandre - do
qual tenho boas histórias para contar dele - a Cristiane e o Henrique, que eram
os mais novos, com quem brincava horas e horas na rua.
Mais acima havia a casa do seu
Benevides, depois a da vô do Tiago, a da Dona Miralva (onde eu assistia TV) e a
última, casa do lado esquerdo, era de um senhor que possuía um guincho.
Eu morava do outro lado da rua. Na esquina,
com a Rua Manuel Peres, morava o Senhor José da Dona Domingas, foi ele que me
levou para assistir, na televisão deles, o enterro do Tancredo Neves, foi meu
primeiro evento político. Ele havia sido militar, e passava horas contando como
era bom o tempo que passara nas forças armadas, eu achava a filha dele linda.
Nossa casa era a próxima, número
412. Tinha um jardim na frente e outro
atrás, minha mãe cultivava rosas e mato de chá (era assim que falávamos), havia
um pé de ameixa, um de chuchu. Minha casa era pequena, tinha uma sala, cozinha,
lavanderia e um quarto. A lavanderia tinha uma porta branca, que eu abarrotei
de adesivos de políticos. Todo dia ao chegar, meu pai, cantava uma música.
Minha mãe perguntava quem era, e ele prontamente respondia: “É o frio”. E lá
vinha a musiquinha de uma loja de departamento da época.
Nossa rua tinha outras casas, abaixo
da minha, havia uma granja, depois, era a casa da Dona Rita, a casa do Rodrigo
da Dona Naná, a do Mauricio, a da Dona Gertrudes e Seu Wilson, e voltávamos à Dona
Antônia.
Foi ao lado destas pessoas que
cresci, foi com elas que formei meu caráter, que aprendi lições de vida. Nesta pequena
rua de periferia, com um pouco mais de vinte famílias, que fui criado.
Brincando na rua de terra, jogando bola, esfolando os pés, não havia luxo, mais
aquela realidade era muito rica para todos nós.
Foi assim, que um herói de guerra
desconhecido, virou uma das maiores referencias da minha vida.
Lindo texto! Até eu me senti nostálgica,afinal relembrei-me de muitos nomes citados. Como pofessor de história ainda não tive a honra de conhece-lo, mas como historiador você foi capaz de narrar sua rua com tanta precisão que me reportei aos tempos antigos. Parabens!
ResponderExcluirObrigado, esta empreitada é um sonho, meu objetivo é postar um texto por semana, vamos ver se vira. Obrigado pela leitura e apoio.
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